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Encantadora precariedade
Anelito de Oliveira | | |
Tipografia do Fundo de Ouro Preto,
de Guilherme Mansur, resiste aos
“enlatados” editoriais
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“Tipoeta”, como o definiu Haroldo de Campos,
o mineiro Guilherme Mansur desenvolve,
há 30 anos, em sua barroca Ouro
Preto, uma extraordinária atividade editorial,
que está fundamentalmente ligada a sua prática de
poesia, ou antes: que se desdobra de sua particular percepção
do fenômeno poético. Não é possível dizer ao certo,
quando nos encontramos com suas raras produções (e, de
fato, é sempre um encontro, algo marcante), onde termina
um processo editorial propriamente dito, o desempenho
de uma tarefa como outra qualquer, e começa um processo
criativo, algo sem uma finalidade objetiva, com ares da intransitividade
inerente à coisa artística.
Antes de mais nada, ressalta-se nesse trabalho a tentativa
de dar a ver algo raro, que ainda não foi feito, o que resulta
em estranheza, num produto para poucos, sem possibilidade
real de despertar o interesse de leitores-consumidores,
aqueles que têm uma relação comum, digamos,
com o objeto livro. Não são esses, claro, os receptores visados
pelo editor Mansur, a quem ele oferta seus produtos
gráficos. Ele visa aqueles que reconhecem no livro um objeto
de arte capaz de proporcionar uma experiência estética
singular, que se daria num interstício de linguagens, entre
o que, a priori, é para ser visto (arte plástica) e o que é
para ser lido (arte verbal).
Descendente de proprietários de gráfica, Guilherme
Mansur cresceu entre tipos, clichês, papéis, chapas, tinta,
cheiro de cola, guilhotina, zumbido de cortes, dobras, embrulhos.
Enfim, despertou para a poesia em meio a toda a
parafernália que constituía, inevitavelmente, o mundo gráfico
há alguns anos, toda uma “sujeira”, uma “bagunça”, que
(fato lamentável de um ponto de vista cultural) vai-se tornando
cada vez mais difícil de se encontrar hoje em dia
em função das novas tecnologias de impressão. As edições
de Mansur são marcadas por esse ambiente em que ele se
criou, atravessadas por uma precariedade que acaba por se
afirmar como seu dado encantador.
Entre os muitos autores editados pela Tipografia do Fundo
de Ouro Preto, destacam-se alguns dos principais poetas
da cena literária brasileira de fins do século XX para cá,
como Paulo Leminski, Régis Bonvicino, Sylvio Back, Laís
Corrêa de Araújo, Josely Vianna Baptista e, especialmente,
Haroldo de Campos. Este, que na última década fazia questão
de destacar um olhar crítico que, na verdade, sempre
cultivou sobre o capitalismo (“forma de fome”), certamente
soube entender a importância do gesto de Mansur como
resistência aos “enlatados” editoriais. Contra a massificação
no âmbito das letras, um pouco de aura, de artesanato, de
“espírito” manual.
De fato, é uma sutil tomada de posição em relação ao que
está estabelecido no mercado editorial hoje que se apresenta,
por exemplo, em edições como Finismundo: A Última Viagem,
do poeta paulista, e na antologia de escritos das etnias
indígenas Mbyá e Nivacle, três volumes (Neblina Vivificante,
O Amor entre os Nivacle e Soninho com Pios de Periquitos
ao Fundo), organizados, sob o título geral de “Cadernos da
Ameríndia”, pela poeta e tradutora paranaense Josely Vianna
Baptista e pelos antropólogos paraguaios Luli Miranda e Miguel
Chase-Sardi. Essas edições, que dificilmente o interessado
pode conseguir em algum dos melhores sebos que estão
por aí, são, sobretudo, um acontecimento gráfico-editorial irrepetível,
o esplendor de uma simplicidade considerada, de
certa forma, obstáculo à venda de produtos editoriais.
Mansur, evidentemente, pertence à estirpe daqueles que
se engajam na realização da própria obra, desinteressados
em relação ao que o sistema sociocultural possa achar ou
não, a estirpe dos assistemáticos por excelência. Seu método
criativo tem referenciais próximos e longínquos no tempo
e no espaço, mas, certamente, o mais decisivo de todos
foi e é Amilcar de Castro. Como este (que reformou a diagramação
do Jornal do Brasil nos anos 60), Mansur (que reinventou
a diagramação do jurássico Suplemento Literário de
Minas Gerais nos anos 90) parece entender que a arte, independente
do suporte ou do gênero, distingue-se pelo que é:
uma forma que pensa.
ANELITO DE OLIVEIRA, ex-editor do Suplemento Literário de Minas
Gerais (1999-2003), é doutor em letras pela USP e professor na Universidade Estadual de Montes Claros (MG)
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