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A PERSONAGEM DO LIVRO
Milton Santos: a lucidez militante
Tarso de Melo
Um currículo que inclui passagens por Sorbonne, MIT, University College de Londres, Columbia University e pelas principais universidades brasileiras, doutorados honoris causa em várias instituições pelo mundo, o título de professor emérito da USP, o Prêmio Internacional de Geografia Vautrin Lud (cujas menções vêm sempre seguidas da lembrança de que é “o Nobel da Geografia”), algumas centenas de livros e artigos, muitas outras honrarias e, é claro, perseguições (destaque-se, neste item, um exílio de 13 anos durante o regime militar iniciado em 1964) – nada foi capaz de aquietar o espírito do professor Milton Santos, desde seu nascimento no sertão da Bahia, em 1926, até o final de sua vida, aos 75 anos, quando ainda se dedicava a fazer com que suas diversas pesquisas ganhassem um sentido político cada vez mais participante.

É bem provável que os leitores de hoje venham a conhecer a obra do geógrafo Milton Santos, digamos, de trás para frente. Seduzidos pelo destaque que a militância política ganhou em suas últimas obras, entrevistas e, agora, num documentário (Encontro com Milton Santos, de Silvio Tendler), os leitores chegarão a seus livros, principalmente, através de Por uma Outra Globalização: Do Pensamento Único à Consciência Universal, reimpresso várias vezes desde sua edição em 2000, ou de Brasil: Território e Sociedade no Início do Século XX, sua última obra (em parceria com Maria Laura Silveira), trabalhos que coroam e resumem um longo percurso.

Para nossa sorte, no mesmo momento em que o geógrafo tem evidência como crítico da globalização, vem ocorrendo a reedição pela Edusp da grande maioria de suas obras, nas quais é possível acompanhar, por meio de uma documentação mais extensa, como ele desenvolveu e, de certo modo, testou as categorias com que, nos livros mais recentes, explicaria a geografia mundial dos tempos do “pensamento único”, distinguiria a inserção do Brasil no contexto global e colocaria seu conhecimento a serviço da transformação social.

Nas obras ora reeditadas, sobressai a figura de um pensador que não se esquivava diante de quaisquer das dificuldades de seu ofício, enfrentando os desafios não apenas de sua especialidade, mas também as implicações filosóficas, metodológicas, econômicas, políticas, culturais etc., o que lhe deu estatura bastante para ombrear, nos quadros da geografia, com gigantes como Henri Lefebvre e David Harvey, ao “presentear” o Brasil com retrato mais profundo e contundente do que muitos daqueles feitos até então por seus mais célebres intérpretes.

O retrato composto pelos livros de Milton Santos beneficia- se de uma capacidade pouco freqüente: conciliar um conhecimento igualmente profundo de sua área ao de todas as outras áreas a que sua investigação conduzia, com o diferencial, ainda, de que a geografia é sua área específica, convencendo-nos da importância da perspectiva geográfica para a compreensão da realidade social. Não é uma diferença qualquer, porque a geografia, que em Milton Santos é o eixo principal, sequer é chamada a participar da maior parte das reflexões sobre a sociedade.

Nos três ensaios que formam Pensando o Espaço do Homem, por exemplo, um dos livros que a Edusp reeditou recentemente, o geógrafo faz convergir em menos de uma centena de páginas (sem descuidar, contudo, das sutilezas da análise) a multifacetada discussão sobre a reprodução do capital, com o que desvenda a influência do movimento das forças econômicas sobre a geografia, bem como desta sobre aquele, no esforço de “desmistificar o espaço” em que vivemos.

Aliás, a própria noção de “espaço” elaborada por Milton Santos, que faria sua obra se destacar na e da geografia ao assumir o perfil mais amplo de uma teoria crítica da sociedade, surge de uma compreensão multidisciplinar do elemento geográfico, que, para ele, deveria ser entendido sempre como um “conjunto de fixos e fluxos”, onde o local e o global se encontram por meio da intervenção do homem sobre a natureza. Ao desenvolver e apropriar-se da técnica o homem faz com que tempos e espaços diversos conformem a realidade do lugar em que vive.

Em tempos de “globalitarismo”, como dizia o geógrafo, tal perspectiva é ainda mais forte e necessária. Para Milton Santos, “A configuração territorial, ou configuração geográfica, tem, pois, uma existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua existência real, somente lhe é dada pelo fato das relações sociais” (A Natureza do Espaço). É na investigação do papel das relações sociais para a configuração do território que Milton Santos, mais do que descobrir um modo novo de ver o próprio território, revela aspectos recônditos das relações sociais. Aí talvez esteja sua contribuição mais importante: uma geografia verdadeiramente humana.

O conjunto das obras de Milton Santos, com seu compromisso inabalável de pensar o mundo com as ferramentas da geografia e de afiar essas mesmas ferramentas ao pensar o mundo, permite entender a forma de participação política dos intelectuais que ele defendia como necessária: um “pensamento de mais longo alcance e despreocupado de aspirações de poder”. No caso dele, foram décadas dedicando uma erudição e uma energia gigantescas a demolir – contra todos os discursos e pagando alto preço pessoal – os alicerces de um modo de vida insustentável.

Todavia, a reflexão tantas vezes desoladora de Milton Santos sobre nosso presente consegue um prodígio: difundir a esperança e até mesmo a utopia de que ainda são possíveis um Brasil e um mundo melhores, em que se realize uma cidadania abrangente. É para esse horizonte que seu exemplo e seus livros apontam, de modo tão magistral quanto incansável.

TARSO DE MELO é advogado, mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP. Autor de diversos livros de poesia, sendo o mais recente Planos de Fuga e Outros Poemas (CosacNaify, 2005).


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