|
A história da Edusp é indissociável do nome de João
Alexandre Barbosa: durante sua gestão como presidente da editora (1988-1993),
a Edusp adquiriu identidade, com a criação de um departamento editorial,
de um catálogo de títulos próprios e com uma atuação
autônoma no mercado (e não mais como “co-editora” que apenas emprestava
o prestigioso nome da universidade e participava financeiramente de publicações
de outras casas).
Nada mais natural, portanto, que, nesta edição
em que se retoma o Caderno de Leitura Edusp por ele idealizado, a seção
“A personagem do livro” seja dedicada a sua presença em nossa vida intelectual.
Entretanto, não se trata somente do reconhecimento de uma atuação
pública, mas de salientar um aspecto de sua trajetória teórica
que só essa experiência editorial pode iluminar. Reformulo, portanto,
a frase inicial: se a história da Edusp é indissociável do
nome de João Alexandre Barbosa, sua obra como crítico literário
tampouco pode ser dissociada da figura do editor.
Embora fosse autor de
estudos de amplo espectro sobre José Veríssimo e João Cabral
de Melo Neto, João Alexandre preferia a reflexão fragmentária,
a digressão ensaística. A opção sem dúvida
se devia a uma certa aversão ao espírito de sistema, às grandes
teorias – às quais contrapunha a grande verdade das pequenas sentenças,
o caráter provisório (e por isso mesmo mais preciso) de iluminações
proporcionadas por detalhes que escapam às construções demasiado
monolíticas.
Daí o fato de não ter sido ele um scholar
monotemático ou um criador de conceitos. Tinha suas obsessões (Cervantes,
Eça de Queirós, Valéry) e chegou a formular as noções
de intervalo (para designar as refrações entre realidade
e representação) e “tradição do impasse” (para caracterizar
nossa dialética entre nacionalidade e modernidade).
Mas sua preferência
pela forma breve também traduzia uma curiosidade intelectual por tudo aquilo
que estivesse impresso entre duas capas. João Alexandre não era
um crítico particularmente interessado por formas de expressão como
música ou artes plásticas – e como cinéfilo, preferia os
filmes de Humphrey Borgart à filmografia européia. Seu elemento
era o livro – ou melhor, os livros e a variedade de mundos possíveis que
ele encerram. Parafraseando Mallarmé, para João Alexandre, “o mundo
foi feito para acabar numa biblioteca”.
Até aí, não
haveria grande diferença entre ele e os tantos bibliófilos que encontramos
em livrarias e sebos. Ocorre que poucos desses leitores transformaram em livro
sua paixão pelos livros. Pois foi isso que João Alexandre fez, principalmente
nas coletâneas mais recentes, cujos títulos falam por si: A Biblioteca
Imaginária, Entre Livros, Mistérios do Dicionário –
sendo que o segundo deles dava nome a seus editoriais para este Caderno de
Leitura (posteriormente reunidos no livro homônimo, junto com outros
ensaios).
Tais obras não expressam apenas a imensa erudição
de um leitor voraz das principais publicações literárias
anglo-saxãs (Granta, Critical Inquiry, New York Review of Books, London
Review of Books), mas são modalidades de crítica que trazem
a marca do leitor-editor. Sempre atento a detalhes gráficos e à
organização interna das obras comentadas, pode-se dizer que os últimos
dez anos de atividade ensaística de João Alexandre incorporam, à
maneira de um método, uma relação tátil com o livro
intensificada nos tempos da Edusp.
Por isso, um dos temas dominantes dessa
fase é o da releitura, que consiste na idéia de identificar,
num texto, aqueles conteúdos que vão sendo semeados pelo autor,
mas que só saltam aos olhos quando, terminada a última página,
se relê o livro à luz do conhecimento conquistado.
Evidentemente,
tal característica de determinados textos independe de seu suporte físico,
mas se tornou central na obra crítica de João Alexandre a partir
desse período em que o convívio com os livros se transformou em
ofício de editar. O ato de manusear o livro, de examiná-lo em suas
várias etapas (do original à entrada em gráfica, passando
pela concepção visual), de algum modo se projetou sobre antigas
obsessões na forma das várias releituras que, em seus últimos
ensaios, João Alexandre fez do Dom Quixote, dos romances de Eça
ou da poesia de João Cabral. Pensar que essa fase tem início
com o texto “Da paixão pelo livro”, impresso no editorial do Caderno
de Leitura Edusp nº 1, torna obrigatório que João Alexandre
seja a personagem inaugural da presente seção.
|