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MARGINÁLIA|ELOÍSA CARTONERA |
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Literatura e reciclagem
Aluizio
Leite | | |
Editora argentina produz livros
artesanais em parceria com catadores de papel
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“A embaixada da Suíça doou uma impressora;
a embaixada da Espanha, dinheiro para papel; ao governo
da Argentina bastou entrar com a crise econômica.”
Fruto típico do humor portenho, essa piada de certa
forma explica a gênese de uma das mais criativas e
corajosas casas editorias da América Latina. Criada
em Buenos Aires em março de 2003 – portanto, pouco
mais de um ano após o epicentro da crise argentina
em dezembro de 2001 –, a editora Eloísa Cartonera
se define como um projeto artístico, social e comunitário,
sem fins lucrativos ou, como em seu slogan: “Eloísa
Cartonera, mucho más que libros”.
Sua proposta editorial parte da possibilidade, ou da utopia,
de que a cultura (no caso, a literatura) funcione como mecanismo de inclusão
para aqueles que, de alguma forma, foram colocados à margem da sociedade.
Seus livros, simples e coloridos, têm as capas criadas artesanalmente, pintadas
sobre o papelão reciclado comprado diretamente dos cartoneros
argentinos – “profissão” que surgiu com a explosão do desemprego
e que equivale aos catadores de papel brasileiros – por um preço cinco
vezes maior que o usual. Seu catálogo, sempre de latino-americanos, reúne
nomes consagrados como Ricardo Piglia, Haroldo de Campos, Néstor Perlongher,
Alan Pauls e Manoel de Barros, além de vários escritores inéditos
ou da nova geração, incluindo os brasileiros Camila do Valle e Douglas
Diegues.
Criada por Wáshington Cucurto (na verdade um dos
heterônimos do escritor Santiago Veja) e pelo artista
plástico Javier Barilaro (responsável pelos
projetos gráficos), aos quais logo se reuniram vários
outros como Fernanda Laguna, Julián González
e Cristian de Nápoli, a editora tem sua sede no tradicional
bairro de la Boca (a metros de la Bombonera, como
informa o site http://www.eloisacartonera.com.ar), em uma
cartonería chamada “No Hay Cuchillo Sin
Rosas” (literalmente, “Não Há Faca Sem Rosas”),
onde se reúnem escritores, cartoneros e
artistas – e onde as capas, ao som da cumbia e
ao sabor das facturas, são desenhadas e
pintadas por jovens filhos de cartoneros.
No início era preciso pedir a autores conhecidos
que cedessem algum material inédito para a publicação;
posteriormente, já conhecida e com mais de cem títulos
no catálogo, a editora passou a receber uma quantidade,
e qualidade, de material mais que suficiente. As vendas
são feitas na rua, pelos próprios editores,
perto da cartonería, ou numa rede restrita
de livrarias argentinas – sempre a preços populares
(menos de US$ 3,00). O projeto funcionou de tal forma que
uma “rede cartonera” surgiu, com as editoras-irmãs
Yerba Mala Cartonera (na Bolívia), Sarita Cartonera
(Peru), Lupita Cartonera (México), Animita Cartonera
(Chile) e Dulcinéia Catadora (Brasil). A semente
da catadora brasileira foi plantada na 32ª
Feira do Livro de Buenos Aires, em 2006, quando a Embaixada
do Brasil apoiou a publicação de uma antologia
de prosa e poesia brasileira e abriu um espaço no
estande para que representantes da Eloísa Cartonera
mostrassem seus livros e conversassem com o público.
No mesmo ano, representantes da editora portenha foram convidados
a participar da 27ª Bienal de Arte de São Paulo,
e entraram em contato com o Movimento Nacional dos Catadores
de Recicláveis. Daí surgiu a Editora Dulcinéia
Catadora, que estreou publicando Sarau da Cooperifa,
uma coletânea de poetas da periferia paulista, e hoje
já possui mais de 20 títulos em seu catálogo.
Portanto, a idéia original, de integrar pessoas através
da arte, funcionou além do esperado. A editora Eloísa
Cartonera emprega um grupo de jovens da Villa Fiorito (bairro
pobre de Buenos Aires), publica autores inéditos
e mesmo esquecidos da América Latina e ainda formou
um grupo de editoras independentes que, na contramão
da modernização técnica e da centralização
da indústria editorial, monta em bases quase artesanais
uma riquíssima experiência literária
e social.
ALUIZIO LEITE é jornalista e editor.
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