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RESENHA|CRÔNICA
Cenas da Belle Époque
Reynaldo Damazio

Obra periodística de Olavo Bilac é reunida e comentada por Antonio Dimas. Leia também O Malazarte, texto que está no livro Momentos Críticos, de João do Rio

Bilac, o Jornalista
Org. de Antonio Dimas

Edusp/Imprensa Oficial/Editora da Unicamp
1680 págs. – R$ 170


A Vida Literária no Brasil – 1900
Brito Broca
José Olympio
400 págs. – R$ 58
Painel vivo
Bilac é um dos inúmeros personagens do crítico Brito Broca (1903-1961), que foi um estudioso incansável, minucioso e obcecado dos bastidores da vida literária brasileira, como se pode acompanhar no saboroso A Vida Literária no Brasil – 1900, que chega à 4ª edição. Nenhum detalhe escapa à pena de Broca, que relaciona a atuação de grupos literários e a vida em cafés e livrarias, com situações políticas e episódios prosaicos, curiosos e esclarecedores, para compor um painel vivo das escaramuças entre letrados, ora empolgados com as notícias de Paris, mas também críticos com as nossas contradições profundas, como Lima Barreto e os anarquistas.
Crítica teatral
Além de Momentos Críticos, a Edusp também vai lançar Página Teatral, ambos de João do Rio. Com pesquisa e apresentação de Níobe Abreu Peixoto, os dois volumes, lançados numa caixa, reúnem textos sobre a vida teatral no Rio de Janeiro no período da belle époque, publicados nos jornais A Tribuna, A Cidade do Rio, Correio Mercantil, A Notícia, O País, A Pátria, Ilustração Brasileira e A Gazeta de Notícias, ou nos periódicos Os Anais, Kosmos e Revista da Semana. A recuperação desse importante material histórico oferece ao leitor a possibilidade de acompanhar a intensa trajetória jornalística de João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto).

Em dezembro de 1907, Olavo Bilac (1865-1917) foi eleito pela revista Fon-Fon o “príncipe dos poetas brasileiros”. Em seu discurso de agradecimento, o autor parnasiano afirmou em boa retórica: “O que estais, como brasileiros, louvando e premiando nesta sala, é o trabalho árduo, fecundo, revolucionário, corajoso da geração literária a que pertenço, e o papel definido, preciso, dominante, que essa geração conquistou, com o seu labor, para o homem de letras, no seio da civilização brasileira”. Descontado o tom ufanista, muito peculiar naquele período, Bilac se referia à profissionalização do escritor, uma novidade de fato, que passava a dispor de amplo espaço na imprensa e, melhor, era bem remunerado para escrever.

Com o advento da República e certa modernização econômica e urbanística, o Rio de Janeiro, capital federal, e São Paulo, que começava a se tornar um pólo de desenvolvimento industrial no início do século XX, figuram como centros de grande agitação política e cultural. A imprensa ganha impulso nesse momento, com a multiplicação de jornais e revistas, aumento significativo de tiragens, melhoria da capacidade técnica de impressão e uma acirrada concorrência.

Personalidades literárias de relevo tiveram passagem igualmente marcante pelos jornais e revistas na transição da Monarquia para a República, assinando crônicas, resenhas e artigos, como José de Alencar, Machado de Assis, Joaquim Nabuco, Lima Barreto, Euclides da Cunha, João do Rio, entre outros. Além da atuação de prosadores e poetas, também se firmava a tradição de crítica literária, a partir de meados do século XIX, através da militância por vezes polêmica de Tobias Barreto, Silvio Romero, Araripe Júnior e José Veríssimo. Num mercado editorial incipiente, com poucas editoras, a imprensa representava um meio valioso de divulgação do trabalho literário e do nome do autor, além de efetivamente se constituir em fonte de renda e meio de ascensão social.

Bilac está entre os intelectuais que mais se destacaram neste contexto. Poeta de prestígio adquirido precocemente, reconhecido nas ruas e nos cafés do Rio, cortejado pelas elites, defendeu causas cívicas – como o serviço militar obrigatório –, escreveu livros didáticos e foi um cronista prolífico, tendo colaborado com os principais jornais de então. Uma parte expressiva do valioso material deste registro de episódios do cotidiano, de questões estéticas e sociais, de reflexões sobre a vida no declínio da boêmia carioca, em quase 20 anos de redação na imprensa, parcela dos quais em colunas diárias, foi reunido e analisado criteriosamente por Antonio Dimas nos três volumes da obra Bilac, o Jornalista. Segundo Dimas, “o poeta das estrelas e o jornalista das calçadas conviviam de modo bem mais harmônico do que se poderia esperar ou do que fazem supor os supostos antagonismos herdados da historiografia oficial”.

No primeiro volume da “caixa”, em cuidadosa edição, que conquistou o segundo lugar na categoria Teoria/Crítica Literária do prêmio Jabuti de 2007, Dimas discorre sobre os caminhos da pesquisa, da localização muitas vezes problemática dos jornais da época – alguns já em processo de decomposição – à seleção dos melhores textos; recenseia os temas, a trajetória do escritor e sua intervenção no debate público da virada do século. Nas crônicas fica patente o engajamento de Bilac com as questões de seu tempo, da exploração do trabalho infantil à vida em outros planetas, da resenha de livros ao progresso tecnológico e científico, com uma “curiosidade multidisciplinar de jornalista”.

A primeira crônica publicada como escritor contratado na Gazeta de Notícias, um dos mais importantes jornais da velha República, aconteceu em 1890. Antes disso, Bilac produziu esparsamente para periódicos de menor expressão durante suas tentativas, malogradas, de cursar medicina e direito. Em 1893, Bilac exilou-se em Ouro Preto, vítima da perseguição de Floriano Peixoto, momento em que mergulhou no passado colonial brasileiro e desenvolveu agudo senso nacionalista. De volta ao Rio, publica o livro Crônicas e Novelas, em 1894. Três anos depois, substituiu Machado de Assis como cronista semanal da Gazeta. Era a consagração do cronista. Bilac escreveu também para os jornais Estado de S. Paulo, Cidade do Rio de Janeiro, Correio Paulistano, A Notícia, entre outros.

REYNALDO DAMAZIO é editor e poeta, autor de Nu entre Nuvens (Ciência do Acidente, 2001) e organizador de Drummond Revisitado (março, 2002), entre outros.




“Graça Aranha é metafísico, é furiosamente pagão.”
Em texto de Momentos Críticos, publicado originalmente em 1911 no jornal O Comércio de S. Paulo, João do Rio comenta a peça O Malazarte

Acaba de aparecer O Malazarte, de Graça Aranha. A peça foi representada em Paris, na pequena sala do Faemina pelo Lugné Poe, que desde o seu tempo de rapaz, anterior a empresário de tournées, tem um rótulo de teatro literário, L’Oeuvre, que sempre lhe serviu para a apresentação de novas escolas, a princípio de jovens da França, depois de gênios estrangeiros, nem sempre de primeira água. O Malazarte estava bem para ser representado pelo Lugné, com as suas tradições de simbolismo e agora, ao ler o volume, não posso deixar de lembrar a répétition générale, a sala cheia de brasileiros, como um compartimento do Municipal, a Greta Prozor esticando os braços, o sotaque romeno do De Max, o Souza Queiroz ouvindo num camarote as opiniões de Suzanne Després, e na caixa os cumprimentos a Graça Aranha, radiante.
– Extremamente simbólico! Dizia o Xavier de Carvalho, condecorado com a Legião de Honra. Um pouco de Ibsen, um pouco de D’Annunzio...
– Um pouco de Coelho Neto...

Ao ouvir as opiniões desencontradas ao final da peça, quando De Max, depois de uma gritaria extemporânea, disse o nome do autor, senti que a maioria não compreendia a peça. Os muitos prudentes indagavam:
– Que tal acha?

Os mais audazes murmuravam:
– Um tanto esquisito...

Eu era do número dos que não compreendiam. No teatro é preciso ser breve e incisivo. Graça Aranha tem o privilégio de saber fazer frases e incisivas em que muita vez condensa um mundo de idéias. Fui para o teatro a julgar que aproveitaria essa qualidade ao serviço do seu drama, e ouvia uma coisa vaga, nebulosa como um desenho de nuvens riscado aqui e ali de traços rubros e azuis.

No dia seguinte encontrei Graça Aranha nas proximidades do Napolitain, um café de jornalistas, onde o Erneste la Jeunesse, presentemente com anéis em todos os dedos e chapéu de veludo cor de vinho, escreve noite e dia cacarejando frases terríveis numa vozinha de galinha velha. Graça Aranha estava vibrante. Esse maravilhoso causeur, entre outras qualidades alucinantes, tem a de se julgar docemente uma criatura de exceção.
– Então, que tal?
– Esplêndido! Fiz sem hesitar.

Ele, então, arrastou-me ao Napolitain no desejo incontido de falar da peça, de falar dele próprio. Eu lhe ouvia a ambrosia sem limite e Graça Aranha amolecia numa divina beatitude. Chegou ao ápice da satisfação, chegou a lembrar-se de mim:
– E você, o que escreve agora? Ah! Vou fazer uma linda edição do Malazarte!
Deixei-o feliz por tê-lo feito feliz, a ele que é uma criatura de uma feiúra encantadora. E agora lendo O Malazarte, estou satisfeito com o elogio de algum modo antecipado.

Quando não se compreende o que parece de valor é sempre bom louvar até compreender, até o momento em que isso é possível, e com O Malazarte, o momento de compreender o quanto de beleza é portador, é o momento de sua leitura. Graça Aranha, temperamento estético de primeira ordem, é uma das figuras mais interessantes da nossa literatura. Nele como em nenhum outro se encontra o desejo de pensar; nele como em nenhum outro é possível descobrir as influências – influências desencontradas, antagônicas algumas, influências poderosas e empolgantes da Grécia e dos seus homens através das cutiladas cerebrais de Nietzsche, influências da Escandinávia e dos dramaturgos simbólicos, de Ibsen da última fase, de Gunnar, de Strindberg, influências da pesada sensualidade do renascimento italiano, influências da última idéia pura de Paris! É moderníssimo e arrasta o passado a cada passo, é artista e a sua frase pensa, é pensador e a sua idéia canta. Querer defini-lo é difícil! Podemos dizer:
– Um metafísico pagão!

Como é possível exclamar:
– Um caso de voluptuosidade mental!

Porque Graça Aranha é metafísico, é furiosamente pagão. É de uma incontida volúpia mental, e tem assim todas as curiosidades, todos os apetites da idéia com a lascívia imensa de transmitir aos outros, com a marca do seu engenho, a volúpia cerebral dos sonhos acumulados.

Eu considero que a maior das luxúrias é a de pensar. Só uma a sobrepuja: a de saber pensar. Graça Aranha vai mais longe: o seu desejo rutilante é o de transmitir o turbilhão de idéias em palavras que magnificamente guardem o acúmulo do pensamento. Não tem uma filosofia, tem uma espantosa absorção: não prega uma idéia, estende para o público o manto das idéias frisado e ardente como uma noite de verão iluminada por um fogo de vistas.

O seu primeiro volume – Canaã, livro de escritor feito e um dos grandes e raros êxitos de livraria, é no sentido da evolução do seu espírito bem um livro primeiro.

Já lá sentimos a idéia, o pensamento, a volúpia de sentir-se pensar, a carnalidade da idéia, o idealismo de cada criatura. Mas, dez anos depois, O Malazarte frisa muito mais a sua qualidade dominante.

O erro capital é julgar O Malazarte um drama no sentido comum de peça teatral. Não é uma peça segundo o figurino francês ou inglês, e seria para os empresários uma calamidade se os dramaturgos a tomassem como modelo; não tem propriamente o que se chama observação, tem várias cenas e vários nomes locais como vistos através de um sonho de haxixe, não se conforma com o falar de cada um segundo a classe que representam, pouco se incomoda com as regras do diálogo, com a técnica, com o contra-regra, e nem mesmo o tipo central tomado ao folclore é o tipo que a lenda nos ensina.

Tudo aquilo, aqueles quatro atos, que na leitura dão uma espécie de inebriamento como os dramas de d’Annunzio, servem apenas para a exaltação do pensar belamente. Os personagens falam todos a mesma linguagem elevada sejam pescadores ou gente de posição, porque não são bem criaturas reais, são figuras para dizer o que Graça Aranha pensa da vida, e Malazarte não é o ardiloso da legenda espanhola, não é o pequeno traquinas dos nossos contos de criança, é a volúpia da inteligência para além do bem e do mal, é o prazer da vida que sabe intuitivamente, é Graça Aranha amando a Inteligência da Vida, ora arrebatado pincelando frases como o oceano num alalá de coro grego, ora fetiche e trêmulo como todos os que amando a inteligência vital são forçados a crer numa inteligência esparsa que guia os elementos e se chama Fatalidade.

Que digo eu? A sensualidade cerebral desse livro é tal que qualquer sujeito de cérebro lerdo não deixaria de colocá-lo entre os volumes realmente infernais como The Picture of Dorian Gray de Wilde, o Fuoco de d’Annunzio, e principalmente essa estonteadora gulf-stream da idéia contemporânea, As Origens da Tragédia de Nietzsche.

Porque não é apetite carnal das peças imorais, e nada tem do fescenismo vulgar; faz-se do sonho da volúpia, do ideal da luxúria, e guarda do começo à última linha a ânsia de mais, de mais, de maior, de inatingido, é uma espécie de frenesi mental pelo gozo, pela vida, pela Suprema Beleza.

E hoje, depois de ler o belo livro, acho que fiz muito bem certa tarde de primavera, no Boulevard, em louvar longamente a mentalidade de um cavalheiro elegante que parecia inebriado de êxito, de glória, de fama. É que, de fato, eu louvaria irresistivelmente o Malazarte da nossa literatura, o fascinante artista que possui a paixão da idéia bela.

Extraído do livro Momentos Críticos, João do Rio, no prelo.

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